quinta-feira, 28 de maio de 2009

Sandro

Sandro nasceu um menino sossegado, e seus olhos são ainda mais quietos. Tem aquele olhar parado tão próprio dos assombrados, dos tristes, e dos viciados em mescalina.
Sandro nasceu na Mesopotâmia portuguesa – Entre-os-Rios. A Mesopotâmia portuguesa é consideravelmente mais fraquinha que a Mesopotâmia dos camelos. Em Entre-os-Rios não há petróleo, e tão pouco foi este o berço da Humanidade. Em Entre-os-Rios há ovelhas, cerejas, e as pessoas são peludas e não conhecem palavras como “pederasta” ou “mesmerismo”.
Sandro gosta de passear, mas evita andar ao Sol. Sandro é fotossensível. De facto, é habitual encontrar Sandro chorando, sensibilizado por fotos de gatinhos fofinhos que brincam uns com os outros.
Sandro é canhoto, mas vê bem.
Sandro não gostava de futebol. Mais tarde tornou-se boavisteiro. Mais tarde voltou a não gostar de futebol.
Sandro sempre gostou bastante de andebol, e até se tornou um jogador mediano, entre raparigas. Certo dia foi atingido por uma bola no maxilar e para sempre ficou com a língua “ao dependuro”. Agora chamam-lhe ‘lambareiro’, e à porta da escola alguns senhores lançam-lhe olhares estranhos.
Sandro usa frequentemente um par de sapatilhas que emitem luzinhas vermelhas pelos calcanhares. Ninguém tem coragem de lhe dizer que já ninguém usa dessas sapatilhas desde 1997, e que estas se usam nos pés.
Sandro é um menino português nascido na Mesopotâmia portuguesa, Entre-os-Rios.
Sandro é Sandro, mas podia ser eu ou tu.


p.s.: O meu Microsoft Word deve ter sido desenvolvido num qualquer pólo tecnológico em Entre-os-Rios, pois também não está familiarizado com palavras como “pederasta” e “mesmerismo”.