segunda-feira, 30 de julho de 2007

No café

Num café à beira mar plantado, acompanhava um amigo que me acompanhava o Martini. Não havia assunto de conversa, mas nem por isso deixamos de conversar. Devaneamos.
Devaneamos e fizemos comentários acerca daquelas que por nós passavam.
“Belo cabelo o daquela! Com tons de ouro e avelã. Uma fada.”, disse.
“Aqui o papá dizia-lhe.” – acompanhou o meu amigo - “Primeiro untava-a, depois…”.
O seu comentário continuou, e apesar de em tom bem mais brejeiro que o meu, não menos sincero era. Ele untá-la-ia mesmo.
E assim, com os olhos acompanhávamos a travessia no areal daquelas que por nós passavam, até que as perdia por detrás das longas barbas do meu amigo sentado a meu lado.
“Jesus, já cortavas essa barba! A sério, não vejo nada.”

domingo, 29 de julho de 2007

Um dia no Paraiso

10 horas da manhã e eu ás portas do Paraíso. Cansado, caminho lentamente na direcção de S. Pedro, que sentado atrás da sua secretária lê o 24 horas. Gordo e velho, nem dá pela minha chegada.
O meu dinheiro Pedro?”, perguntei. O pobre sacana pedira-me 30 contos para a entrada de um apartamento aquando do seu 2º divórcio, e “esquecido” ainda não mos devolvera. “Ahh, olá Manel! Desculpa-me…a sério desculpa-me, mas ainda não o tenho! Sabes como é: a escola dos miúdos tá cara, mais os remédios pa asma do meu mais velho…”. O pobre coitado nem mentir sabia. Gasta tudo que lhe cai no bolso em tascos e em casas de má fama, e todos o sabem.
Envergonhado e cada vez mais encarnado, deixou-me entrar sem fazer perguntas. “Não me vais obrigar a castigar-te pois não? Tens um mês.” disse, despedindo-me.
Já no Paraíso, avisto o imponente Deus sentado num banco de jardim, de frente para um belíssimo lago repleto de todas as aves e peixes que o Homem conhece e conhecerá. Ao seu lado repousa um rádio, irradiando uma estridente e irritante música.
Espera, tas a ouvir Tony Carreira?!?”, perguntei estupefacto. “Porque não? – retorquiu – o gajo tem boas baladas, com uma sonoridade calma mas moderna, recheadas de uma subtil mensagem amorosa. Simplesmente excelente!”.
O teu filho sabe disto? Que diz ele de tudo isto?” rematei. “Tou-me a borrifar para esse hippie insolente mais a sua opinião…Mas diz-me lá, que fazes aqui hoje?”.
Irado respondi, “Não acredito que te esqueceste! Tinhamos combinado jogar badminton hoje ás 10:30! Fogo Deus, és sempre a mesma coisa...

sábado, 28 de julho de 2007

Má sorte

Sou provavelmente a pessoa mais azarada do Mundo.
Apercebi-me disso muito cedo, e continuo a sabê-lo. Por isso não vou a casinos, e não faço acrobacias em cima da asa de um avião em pleno voo e em chamas…pode correr mal.
Colecciono inúmeras azaradas façanhas, como cair de um monte abaixo, ter deslocado o braço umas cinco vezes no mesmo dia, e ter dois pés esquerdos…Mas é no Amor que tenho menos sorte. Em blind dates os meus pares são sempre caçadores de ursos sem uma perna, e no dia-a-dia estou proibido de me aproximar de mulheres em prédios altos, pois é habitual elas atirarem-se das janelas.
Já tentei de tudo para afastar esta má sorte: ando com uma pata de coelho ao pescoço, tenho sempre dentes de alho no bolso esquerdo (o que pensando bem, se calhar explica o meu azar no Amor), e carrego no bolso direito um porta-chaves da campanha de Mário Soares ás presidenciais de 1986, onde se lê “Soares é fixe!”.
Mas nada parece resultar…

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Ostracismo

Cliché ou não, o futebol tem grande peso na vida de quase todos os rapazes, principalmente na infância. È portanto fácil adivinhar, quão triste e solitária a minha foi.
Desde cedo me votaram ao ostracismo, quando, na altura de escolher as equipas, me deixavam para ultimo a escolher. E, não satisfeitos com o facto de me terem nomeado “ovelha negra” do grupo, ainda ouvia comentários do género: “O Guilherme fará parceria comigo?!? Fogo meu, prefiro ver as minhas costas despedaçadas por dezenas de vis e atrozes abutres, a ter tão cruel destino!” (sim, os meus amigos são bastante eloquentes.)
Durante anos fui perseguido pela rejeição, muitas vezes sem de todo a compreender. Aliás, nem era dos piores atletas. Claro que não chegava aos calcanhares do Jorge, do Diogo, ou do Fábio, aquele ciganinho cego e sem uma perna; mas também não era o pior…
Até que há dias cheguei à possível resposta para tal rejeição.
Lembrei-me que, aquando do início das partidas, era usual todos nós escolhermos um jogador que “seríamos” durante o jogo. Uns “eram” o Figo, outros o Beckham, outros o Ronaldo…Eu escolhia sempre o Marcelo Rebelo de Sousa.
Se calhar deve-se a isso…

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Odeio-te

Sempre me avisaram para ter cuidado contigo. Sempre me avisaram que acabaria a chorar.
Os anos passaram e não quis acreditar…agora sei-o verdade.
Pensando melhor, não te odeio…
A culpa é minha. Aproximei-me demais; usei-te demais…
Mas não me arrependo de nada. Sempre fui meigo; sempre fui terno contigo. Quando te tocava, quando te despia…
Bem lá no fundo, adorei todos os momentos que passei contigo.
Sempre deste sabor à minha vida. Sempre deste novo aroma à minha existência. Adorava a tua fragrância na minha roupa…
…ou não!
De novo pensando melhor, odeio-te cebola.

domingo, 22 de julho de 2007

Amor, Parte1: Triângulos Amorosos

A noite era quente e convidava a sair, mas o dia tinha sido exaustivo e as pernas pesavam. Concordamos ficar em casa dela, ter um bom jantar e ver um bom filme.
Eu, ela, e um bom filme; o plano adivinhava-se perfeito, nunca eu prevendo o que me esperaria com o passar das horas.
Preparamos o jantar, acompanhando-o com um bom vinho. Passamos horas à mesa, falando, rindo, e usando todo o nosso escárnio contra aqueles de quem não gostamos.
Por fim levantamos a mesa e fomos para a sala. As velas incendiavam o ar, tornando o ambiente mais convidativo, mais romântico. O filme tinha que ser perfeito…
Escolhemos o Robocop.
O serão foi perfeito, durando quase até ao primeiro raiar do sol. Foi então que mais tarde, já no leito, tudo se desmoronou. Ela disse o nome, o nome dele.
Das profundezas do seu sono (sonho?) gritou o nome do “outro”. “Emil…Emil” gritou, e mais três vezes o fez.
Não a acordei, não o quis. Estava magoado, confuso como um animal ferido, mas sobretudo envergonhado. Não era mais uma paixoneta ou traição, era bem pior do que isso. Ela apaixonara-se pelo Emil, aquele gajo mau do Robocop.
A vergonha consumia-me. Ninguém gosta de ser trocado por outro, muito menos por alguém que no final do filme morre todo derretido e atropelado.
Tinha que sair, tinha que a esquecer. Vesti-me, peguei na carteira, e deixei-lhe os 40€ que tínhamos acordado. Adeus…

sábado, 21 de julho de 2007

Playmobil

Há dias percebi porque, numa quente tarde do verão de 96, jurei a mim mesmo nunca mais usar caveadas.
Este verão comprei uma caveada, e assim que o tempo o proporcionou, sai à rua com ela. Após duas horas de entediante estadia ao sol, voltei para casa, apenas para presenciar um espectáculo macabro. Já não era monocromático. Tornara-me algo idêntico a um qualquer gelado, meio de baunilha, meio de morango. Pior, tornara-me num Playmobil…
Sim, assemelhava-me a um Playmobil. Como estes, tinha agora uma definida linha separadora entre os braços e o tronco. E o pior é que se fosse um Playmobil seria defeituoso: tinha os braços escarlates, e o tronco alvo. Decerto acabaria como oferta a uma qualquer obra social, onde um qualquer gaiato trocaria o meu cabelo castanho por um capacete de construtor civil. Fetiches…
Mas no fim, o meu mais recente escaldão não me trouxe apenas dissabores e problemas, revelou-se até bastante útil. Reparei que, visto a linha que separa os meus braços do meu tronco ser tão perfeita, se algum dia tiver um acidente, o cirurgião não terá problemas em saber por onde amputar o meu braço.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Reset

Tarde de verão, e pouco para fazer. Tinha acabado de medir a altura da parede do meu quarto com os polegares (para os mais curiosos, são 124 polegadas) e de novo me entregara ao tédio.
Do nada, como se de intervenção divina se tratasse, deparei-me com a solução. Lembrei-me de ver todas as palavras procuradas no motor de busca da Internet (Google no caso) do computador cá de casa.
Comecei pelo fim do alfabeto e nada de surpresas: “Vicky o Viking”, “MacGyver”, e “girls with see-through underwear” constavam na lista, como adivinhava.
Quando já chegava ao início do alfabeto (a minha meta) e julgava a minha família sã e funcional, deparei-me com algo que não esperava: “espetadas de atum”!
Sim, “espetadas de atum”! Alguém procurara “espetadas de atum” no Google, não sei se com o intuito de obter uma pouco credível receita, ou uma ridícula fotografia.
Somente estúpido...estúpido demais até para os meus parâmetros.
A ideia fulminou-me; precisava de uma lavagem cerebral. Precisava de fazer “reset” a toda e qualquer actividade mental.
Felizmente, e como qualquer Doutor de bom nome mo aconselharia, pude contar com a minha TV, delegando a tarefa à fabulosa programação das tardes da televisão portuguesa.

sábado, 14 de julho de 2007

Obrigado

Obrigado por estares lá sempre que precisei.
Tenho saudades tuas, do teu toque frio, metálico, que sempre me despertou nos momentos mais difíceis.
Guiaste-me. Cintilavas no escuro, mostrando-me o caminho por trevas e incerteza.
Olho para ti, e depois de tanto tempo ainda me revejo. Vejo em ti o meu reflexo. Gostava de ser forte como tu…
O mundo sem ti não o é. É uma anarquia. Eras a minha Lei. A minha Ordem.
Os anos passam e não perco a esperança de te ver de novo.
Volta. Volta por mim, por nós...
Obrigado Robocop.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

168

Horas. As horas passaram e o blog já tem uma semana.
Uma semana e 12 mails depois, julgo ter a vida em risco.
11 dos mails eram manifestações de puro ódio, o outro dizia apenas “Sr. Artur, temos o prazer de o informar que já recebemos os sapatos de golfe que encomendou. SportZone Norteshopping”.
Os 11 mails que não se enganaram na caixa de correio eram muito ricos e diversos, sintáctica e gramaticalmente, pois todos tocavam no mesmo assunto. “Odeio-te Guilherme. Talvez te mate esta noite.”, lia-se num. “Você é execrável. Vou criar uma personagem no Sims com o seu nome, para que depois possa mata-la à fome!”, li noutro.
Queria desde já agradecer a todos aqueles que me escreveram, pois são vocês que me dão força e ânimo para continuar, e que fazem com que todos os dias, antes de sair de casa, me despeça da minha família como se fosse a ultima vez.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Marvellous life

Ou muito me engano ou todos os rapazes, quando catraios, julgam ter super-poderes que mais tarde se virão a manifestar. Imaginamos vir a ser os primeiros verdadeiros super-heróis, que iremos ser famosos, e que teremos ruidosas hostes de fãs por todo o mundo.
Mas cedo abandonei tal ideia. Não encaixava no padrão do típico super-herói: proveniente de uma família pobre; humilde e honesto; o melhor aluno da turma, sempre alvo do gozo e agressões dos restantes colegas…Enfim, um inadaptado.
Ainda tentei preencher tais requisitos. Por razões óbvias abandonada a ideia de ser o melhor aluno da turma, investi na inadaptação exterior. Comecei a vestir-me com estilos e cores berrantes, e a falar de uma forma esquisita e por vezes indecifrável.
Como por obra do destino, ou de um ente superior que não me deseja bem, nessa semana estreou os “Morangos com açúcar”. Num ápice, tal indumentária, estilo e conduta passaram a ser não só normais, como “fixes”.
Abandonei de vez a ideia. “De facto, qual seria o meu super-poder?”, pensei. Ter uma capacidade sobre-humana de trocar os olhos, pareceu-me a mais provável e única resposta possível.
Mas imobilizar e mortificar os inimigos da lei com tal poder adivinhou-se difícil…
Fica para a outra vida.

terça-feira, 10 de julho de 2007

'Non', ou a vã glória de rir

Desde os tempos em que gatinhava que ouço dizer que rir é a cura para todos os males, e até para todas as mazelas (lembro-me, de repente, de certa vez uma vizinha minha, pobre velha, me tentar convencer que uma irmã sua vira o seu braço recentemente amputado, “renascer” como se de magia se tratasse, após duas horas de riso intenso. Isto imediatamente antes de me perguntar se tinha visto o seu caranguejo gigante de estimação, o Armindo).
Ao fim de 19 anos de incessante estudo empírico do assunto, posso afirmar que tal é falso. Nunca rir salvou alguém de uma desgraça ou da nemésica Morte.
E digo-o com fundamento. Muitas vezes, em situações de desesperante angústia e/ou perigo iminente, optei pelo riso como tentativa de “salvação”, e devo dizer que sempre vi os meus objectivos acabarem longe de logrados.
Foi o caso quando, certa vez, fui abordado por dois indivíduos mal intencionados, e em que não só acabei sem o telemóvel, como sem dois dentes e um bom bocado da minha já pouca auto-estima.
Outra vez, em casa de uma namorada, optei pelo uso de um sorriso na hora de dar uma triste noticia à minha cara-metade. “Acho que paralisei a tua avó da cintura para baixo.”, disse. “Acho que lhe dei um pontapé nas costas e ela agora está-se a queixar que não sente as pernas…”. O meu sorriso não só não atenuou a minha "pena", como a agravou. Resultado: tive de mudar de casa e deixar crescer um pouco desejado bigode.
É por isso que com toda a certeza afirmo, qual eminente cientista, que rir não só não é a cura e resolução para todos os males, mas como de facto é a causa e soma de todos os males e pantominices.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Quem és tu, e porque me dói tanto a cabeça?

Há dias acordei com uma terrível dor de cabeça.
Assim que consegui abrir os olhos deparei-me com um vulto junto à minha cama. Segundos depois o processo de focagem estava completo, e consegui vislumbrar um homem dos seus 30 anos, de longas barbas e olhos profundos, que me fitava com ar sério.
Perplexo perguntei “Quem és tu, e porque me dói tanto a cabeça?”.
Calmamente e sem nunca deixar de me fitar, retorquiu: “Sou Ele. Sou o Sol, a Terra, e todo o vácuo. Sou a Justiça, a Lei, o amor e o ódio. Sou a guerra, sou a paz. Sou tudo e sou nada.”
Fiquei estupefacto. O choque pareceu aumentar a minha dor de cabeça. Continuou:
“Ou isso ou sou um cigano chamado Carlos que te acabou de drogar com o intuito de te roubar um rim.”
Desmaiei por fim. Acordei horas mais tarde, 180 gramas mais leve…

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Nota introdutória

As pessoas com quem conversei aquando da idealização deste blog, quando se lhes era apresentado o titulo, retorquiam: "Porquê tangerina?". Bem, a resposta é simples: na altura pareceu-me boa ideia.
Adoro esta resposta. Serve para tudo: "Porque calcaste a cabeça ao Miguel? - Na altura pareceu-me boa ideia!"...É escassa, eu sei, um pouco dúbia talvez, mas acima de tudo é sincera e a mais pura das verdades.
Mas é verdade também que estou farto de blogs com nomes presumivelmente abruptos e cáusticos, logo optei por algo mais simples e modesto: um banal e pouco desejado citrino.
Sim "pouco desejado". Não conheço ninguém que à pergunta "Que te apetece MESMO comer agora?" respondesse "Uma tangerina". Talvez uma laranja, uma maça, uma alheira, mas nunca uma tangerina.
A escolha deste nome deve-se também ao facto de já existir um blog com o titulo "Girls with see-through underwear"...
Quanto ao tema, este não existe. Usarei este blog para dar corpo digital aos meus mais variados devaneios.
Por fim, "der mandarine" significa "a tangerina" em alemão, e foi este o endereço escolhido para este blog pelo facto de "tangerina.blogspot.com" já existir. É pena, mas a lingua dos boches até que não é tão má.