quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Intermission

É de manhã e o Sol raia ainda tímido.
Pouco depois de ler no Sol as nove horas (sim, porque como sabem fui criado por uma loba na Serra do Montezinho, e sou mais ou menos um erudito nas coisas da Terra) ouço alguém martelar em minha casa.
A minha mãe finalmente contratou alguém para esculpir um busto meu. Vai ficar lindamente no hall de entrada.”, julguei. Levantei-me de rompante, e após sacudir a farta cabeleira para trás da orelha mais próxima, saio do quarto e dirijo-me para o frenesim. “Uma contemplação ao vivo desta figura de Adónis facilitará tão árdua tarefa.” pensava agora.
Avanço e deparo-me com uma espessa nuvem de pó com a qual não estava à espera. “Algo porosa a fina mármore por que optou o requintado artesão.” concluí.
Com sabeis, caro leitor, a minha vida foi já cenário de árduos labores, ruins vicissitudes, e alvo das mais vis pantominices, mas nunca como desta vez me senti tão insultado no âmago do meu burguês coração. Qual não é meu espanto quando me deparo com um cenário digno do mais dantesco inferno, ali, ali no meu quarto de banho.
A sanita deitada a um canto, os meus patinhos de borracha amarrotados entre uma mala de ferramentas e a parede, e um homem suado e de farto bigode cantarolando o que julgo ser Tony Carreira, ou talvez Génesis, na sua fase após a saída de Peter Gabriel.
Agora também com suores frios, fraquejei e esforcei-me por imaginar borboletas e lindos unicórnios que me trouxessem de novo as forças que necessitava.
Vamos lá Manel, tu consegues superar isto. Afinal já passaste por pior: já viste as costas peludas da prima Cláudia…”, meditava agora.
Após breves segundos estava já restabelecido e deparava-me agora com os pequenos olhos castanhos deste homem dos duros labores mirando os meus, profundos e azuis.
Bom dia. O paizinho não tem aí uma cervejola que o menino me possa dar? Tanta poeira está a deixar-me com a esgana.”, perguntou-me.
O que te vou dar é uma valente bastonada no meio da face, vil criatura!”, pensei eu.
Sim senhor, caro senhor. É para já meu amo.”, disse eu.