quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Sonho de uma tarde de verão

Fora uma tarde quente, e eu e Ela gozávamos numa esplanada os últimos raios do Sol que já mordia o poente. Ela é linda. Naquela tarde não tive olhos para mais nada, tirando a rapariga da mesa do lado, a empregada muito decotada, e um estranho objecto voador que deslindei no céu.
Que é aquilo no céu? É um pássaro? Será Dédalo? Será o Super-Homem?” questionei-me maravilhado. O estranho objecto pareceu aperceber-se do meu fascínio e começou a acercar-se de mim. Continuei: “Tendo em conta a velocidade a que se move e a envergadura dos seus apêndices laterais, decerto será um urubu ou um grifo.” (sim, eu exprimo-me sempre de maneira bastante ridícula).
Ah não, é apenas um avião. Quem diria, um avião…”.
Sei que aquando da idealização deste blog, prometi nunca referir ou fazer piadas sobre o holocausto, o apartheid, aviões azuis e o Boavista Futebol Clube (apesar de neste ultimo caso ser muito, muito fácil), mas terei de quebrar essa regra só por esta vez. Era um fantástico avião azul, célere como um trovão e ágil como uma lebre. Observei as suas acrobacias durante largos minutos, hipnotizado e boquiaberto como um miúdo na sua primeira ida ao circo.
Meia hora mais tarde o espectáculo terminara e ainda ali me encontrava, babado e com um novo sonho: “quando for grande quero ser o gajo que lava estes aviões depois dos espectáculos!”.
Ganhara um novo sonho, mas perdera-A. Ela, aborrecida com a minha total entrega ao ás dos ares, partira enamorada nos braços da empregada decotada.
“Raios...Ao menos tenho um sonho!”…

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Death from above

Lá está ele, todo aperaltado e perfumado. Odeio o sacana!”, pensei.
Sentado o observava e detestava. Detesto-o; a ele e a tudo que representa. Abomino-o desde miúdo, mas com o tempo o meu ódio parece tornar-se cada vez mais fundamentado.
Raramente me exalto, mas a sua presença revela o meu lado mais negro. Irrequieto, procuro disfarçadamente uma faca ou qualquer outro objecto cortante. Nada. Sem duvida que Deus gosta mais dele do que de mim.
Que cara de carneiro mal morto. Espero que morras, bastardo.”, murmurei.
O sacana fitava-me também, e o ódio incendiava-lhe o olhar igualmente. O jogo de olhares tornara-se numa batalha fervorosa. Agora era matar ou ser morto.
Já de mangas arregaçadas, a face escarlate e empunhando um aguçado lápis, levantei-me de rompante, determinado a desferir-lhe um ataque fatal.
Ao levantar-me, uma forte tontura acordou-me para a realidade. “Raios! Tenho que tirar este espelho do quarto. Isto está a tornar-se doentio…

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Frenético

Exaustivamente entediante. Assim fora o meu dia, e de rastos me encontrava.
Queria dormir, mas não via como. De novo a locomotiva dos sonhos partira e me deixara para trás…
Não tinha dinheiro, logo não podia adormecer como de costume, abraçado ao álcool e coberto por barbitúricos. Ia ter que ser à maneira antiga: deitado numa cama, de olhos fechados e sem espumar pela boca.
O leito estava gelado, e a noite adivinhava-se tormentosa. Tudo me importunava: a mais ténue luz cegava-me, e todos os barulhos me ensurdeciam. Até a minha respiração me incomodava. Juro que estive para parar de respirar, não trouxesse tal acto chatas consequências…
No escuro reparei no canto de umas rolas que se haviam acercado do meu prédio. Quão suspeito me soava tal som...
Foi então que pela primeira vez me congratulei por ser um inveterado cinéfilo. Lembrei-me que nos filmes mais realistas (Força Delta 1 e 2, Senhor dos Anéis, Robocop, entre outros…), todos os vilões, quando escondidos nas sombras, reproduziam na perfeição o canto de rolas, de maneira a indicar aos seus companheiros que chegara o momento de "atacar”.
Tal lembrança fizera-me despertar gelado. “Alguém me vai atacar. Vou ser brutalmente assassinado por bandidos de pala no olho, pernas de pau, e sotaque germânico.” (sim, a minha definição de “assassino” é um pouco romântica). “Têm decerto como objectivo roubar as minhas valiosas bandas desenhadas. Os sacanas…”
Frenético e já com uma faca na mão, pensei: “É desta…vou morrer!”.
Foi então que nova ideia me trespassou: “Ou isso, ou são só rolas…Bem, vou dormir.”

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Reunions

O Tempo é sacana. Torna-nos frios e cinzentos, revelou o MacGyver obsoleto e ridículo, e leva-nos a desejar relembrar pessoas e momentos do passado. Assim, Deus criou as “reuniões de velhos colegas e amigos”.
Há dias encontrava-me em frente ao meu guarda-roupa, procurando o que melhor vestir num destes reencontros. Apesar de informal, a ocasião exigia uma certa elegância e bom gosto. No fundo, o verdadeiro propósito destas reuniões é ver como os outros vão afinal, e ninguém se quer revelar como o low-life sem namorada nem emprego, coleccionador de action figures do Dragon Ball, e ainda adepto de anedotas envolvendo as palavras “xixi”,“cocó” e “otorrinolaringologia”. Por fim, entre sedas, veludos e muitas lantejoulas, deslindei a indumentária perfeita.
Com 20 minutos de atraso (não me quis mostrar desesperado!), entrei no restaurante combinado. Estavam todos iguais! O Fábio continuava a preferir a meia branca ás restantes, a Sónia continuava a mais bela, e a Susana continuava sozinha no fundo da sala…
O chapéu de cowboy e as botas com esporas revelaram-se bastante desconfortáveis, logo cedo abanquei junto ao bar. Nisto vi o Marco, antigo playboy e atleta de eleição da turma, agora preso a uma cadeira de rodas e com um farfalhudo bigode.
Então Marco, como é que isso aconteceu?”, perguntei espantado. O tempo fora nefasto sobre ele.
Pah, cai do cavalo a jogar pólo.”, respondeu.
Não meu, referia-me ao bigode. Como é que isso aconteceu pah? Já não estamos nos anos 80, sabias? Diz-me, alguma vez viste o Saddam acompanhado por uma bela mulher? Ah pois! Acho que não preciso dizer mais nada…”

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

O outro

- Acredita, nunca mais vou com ele a lado algum. Não é que eu goste de ser o centro das atenções, mas quando estou com ele parece que me torno invisível…Ninguém dá por mim.
- Também não é preciso reagires dessa maneira. Sabes que ele sempre foi assim. Algo excêntrico, colorido, cheio de vida…Dá-lhe um desconto.
- Mas a sério, irrita-me. O pessoal adora-o! Devias ver a quantidade de números de raparigas que ele saca quando vamos sair. E as crianças? Sempre que o vêem fazem uma festa e não o largam…
- Mas Guilherme, ele não o faz por mal. Nasceu assim. Acho um pouco injusto e estúpido uma amizade como a vossa terminar só porque toda a gente o adora.
- Mas não percebes que enquanto eu não me vir livre dele vou ser sempre “o outro”! Se estiver com ele, posso gritar “tenho fantasias sexuais com a minha avó!” em plena baixa que ninguém olha para mim. Acredita, nunca mais ando com o Poupas na rua. Acabou…

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Amor, Parte2: Desenganos

A lua ia alto, e o calor convidava a um mergulho. Ali, sozinho junto ao mar, mergulhei num Martini…
Saída da bruma, mui galharda donzela de mim se acercou. O negro profundo do seu olhar deixava adivinhar uma qualquer exótica naturalidade, e o vermelho do seu vestido dava-lhe um ar de deusa hindu.
Canela, jasmim, lilás, e outras tantas fragrâncias lhe deslindei no aroma. Sei que corro o risco de plagiador ser intitulado, mas não resisto a afirmar: ela cheirava ao que os anjos decerto cheirarão.
Hipnotizado, com grande deleite acompanhei todos os seus passos na minha direcção. Encarnada, toda ela era fogo; a seu lado, todas as outras eram meras estátuas do mais gélido mármore.
Agrilhoado pela sua desarmante beleza, imobilizado a esperei, e enfim os seus imaculados lábios se descerraram: “Tens lume?”
Ela falou-me…
Não tenho, desculpa. Sabes, não devias fumar. Fumar mata. A probabilidade de um fumador contrair cancro pulmonar é dez vezes superior à de um não-fumador. Sabias também que a pobreza e o tabagismo estão estritamente ligados? Em vez de desperdiçado em tabaco, todo esse dinheiro podia ser investido em bens essenciais, bens de produção…Também o analfabetismo e iliteracia estão estritamente…”
Estupefacta e algo temerosa, virou-me as costas.
O quê que eu fiz?!?”…

domingo, 5 de agosto de 2007

O Medo

Palhaços, fundamentalistas, ciganos, soldados nazis, ou palhaços fundamentalistas de raça cigana que são soldados nazis nos tempos livres; nenhum destes me causa mais temor que seres extraterrestres.
Desde os tempos de gaiato que temo seres alienígenas, as suas gigantescas naves, e as suas garridas e cintilantes vestes que parecem saídas de um qualquer show no Moulin Rouge.
Sempre temi de noite ser raptado do meu quente leito, e ser transportado para uma gelada nave onde não teria piões ou berlindes para brincar, tendo de me contentar com entediantes aparelhos de teletransporte, e canhões de raios Gamma.
Mas o que sempre me causou mais temor foram os inevitáveis exames a que seria sujeito. Aquando da introdução da perfurante sonda na minha coluna vertical, os esguios e gélidos dedos daqueles sacaninhas decerto me deixariam arrepiado, e só Deus sabe como detesto ficar arrepiado.
É que abomino mesmo...

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Dias do fim

Agora que importunei a Igreja Católica, sinto o meu derradeiro dia cada vez mais próximo. Sei o perigo eminente.
De noite adormeço com o revólver debaixo da almofada, e na rua uso sempre duas t-shirts, não vá alguém disparar contra mim.
Os e-mails hostis acumulam-se, e muitas vezes já nem os leio. É cansativo, desencorajador e temeroso! Mais do que nunca, como te percebo agora Paulo Portas.
Sentindo aproximar-se o toque frio da morte, decidi “organizar a minha vida” (expressão que na gíria dos moribundos significa “reatar relações destruídas pelo tempo, pedir desculpa a quem o merece, e agredir violentamente todos aqueles que nos importunaram toda a vida”), e realizar o meu grande desejo de infância: fazer uma viagem ao meu destino de sonho.
Escritas as minhas memórias e preparada a bagagem, despedir-me-ei dos meus, da minha casa e da minha terra, e partirei na minha derradeira viagem, decidido a não voltar.
Algés, aqui vou eu!